"Olhando para Bate-Seba agora, sentada no seu aposento de receber visitas no palácio, ainda se podem ver os traços de uma mulher que foi esplendorosa na sua juventude. Seu romance com o então rei Davi, filho de Jessé, na época da guerra contra Amom, ficou mundialmente famoso. Pela primeira vez depois de muitos anos, ela aceitou falar sobre o assunto, ainda que com visível constrangimento. Hoje, na condição de rainha-mãe (seu filho mais velho, Salomão, o segundo que ela teve com Davi - o primeiro morreu ainda bebê - acaba de ser coroado rei em meio a um mar de intrigas e traições), prevê tempos nebulosos para os próximos anos.
ColuNet: Sempre foi difícil para a senhora falar sobre o assunto do seu envolvimento com o rei Davi. A senhora se arrepende do que fez ou faria de novo?
Bate-Seba: Bem, eu não posso dizer que não fui feliz com Davi. Ele foi um marido maravilhoso. De ter me casado com ele eu não me arrependo. O que me causa até hoje muita tristeza é pensar que eu acabei sendo responsável pela morte do meu marido, um herói de guerra, um homem de bem. Ele não merecia o que eu fiz com ele e muito menos o que fizeram com ele. É difícil saber se eu não faria de novo. O que eu posso dizer com certeza é que eu não podia imaginar onde tudo isso ia parar. Achei que seria só aquela vez. Então o que eu passei, eu não desejo para ninguém.
CN: A sra. se sente culpada pela morte de Urias?
Bate-Seba: E poderia ser diferente?
CN: A senhora foi forçada a ir para o palácio naquele dia?
Bate-Seba: Não. Todo mundo aqui conhece a história do nosso antepassado e patriarca José, que foi assediado pela patroa, mas se negou a deitar-se com ela até o fim. Eu poderia ter me negado, mas não fiz nada para evitar. Nós dois erramos.
CN: Por que então a sra. acha que só Davi sofreu punições?
Bate-Seba: Bom, isso é você que está dizendo. O rei era ele. Acho que Deus quis mostrar ao povo que por ser um referencial, um exemplo para o povo, ele não podia ter caído nessa armadilha. Mas não foi só ele que sofreu, não. Eu perdi meu marido e meu filho em menos de um ano. Isso não é pouca coisa. Depois vim viver num palácio onde o ambiente era horrível. Todo mundo sabe as confusões que Absalão arrumou, tinha a convivência com as outras mulheres de Davi, Abigail e Ainoã, que não gostaram nada da idéia de terem que dividir o marido com mais uma. Não é fácil viver num lugar assim. Até hoje as coisas não são como poderiam ser. Não pense que isto aqui é um conto de fadas. Eu sofri muito e continuo sofrendo até hoje. O que Natã (profeta que ministrava no tempo de Davi) falou para Davi na semana da morte do meu filho está se cumprindo: nunca mais haveria sossego nesta casa.
CN: Como a sra. encara as acusações de que a sra. provocou a situação, permitindo que o rei a visse tomando banho?
Bate-Seba: Esta é uma das poucas coisas que me irritam nesta história. Eu estava dentro da minha casa, tomando banho do mesmo jeito que sempre fiz, mesmo quando meu marido estava em casa. Isto é coisa de estrangeiro, de gente que nunca viu uma casa aqui em Israel. Eu assumo que não deveria ter cedido aos apelos do rei. Tudo bem. Mas dizer que fui eu quem provocou, aí é demais!
CN: Como foi ver seu nome nas colunas sociais dos jornais dos países vizinhos?
Bate-Seba: Foi horrível. Uma exposição que trouxe muita vergonha para mim e para minha família. Mas o Natã tinha dito que o Senhor também tinha ficado muito bravo por causa disso. Talvez isso tenha sido a parte mais dolorosa de todo este caso.
CN: A sra. já citou Natã duas vezes. Ele tinha muita influência na corte?
Bate-Seba: Sim. Davi sempre o respeitava demais. Depois que Samuel morreu, Natã tornou-se um confidente de Davi. Ele o chamava para tudo. Até quando ele quis construir um templo ao Senhor, foi a primeira pessoa com quem ele foi conversar.
CN: Mas foi ele quem tornou público o caso de vocês. A sra. não ficou ressentida com isso?
Bate-Seba: Para dizer a verdade, não. Davi estava sofrendo demais com aquela situação. Ele estava ficando doente, com dores no corpo, parecia um velho. Aquilo tudo estava mexendo muito com ele. Ele estava virando um homem triste. No fundo, embora na época a vergonha foi muito grande, eu agradeço a Deus por ter mandado Natã falar com Davi. Eu não sei o que teria sido dele sem aquela conversa. Além disso, eu mesma me aconselho muito com Natã. Ele é um homem de Deus, uma das poucas pessoas confiáveis neste palácio.
CN: Qual a sua avaliação da situação atual do reino?
Bate-Seba: Já se podia prever que as coisas não seriam fáceis. Se não estavam fáceis enquanto o rei estava vivo, agora, então, está muito delicado. Eu tinha a garantia de Davi que Salomão reinaria. Mas apareceu esse Adonias, um menino mimado, que quer tomar o trono à força. Tenho fé que Salomão vai dar um jeito nisso.
CN: A sra. acha que vai ter um papel mais atuante no reino, agora que Salomão se prepara para assumir? Por exemplo, Adonias diz que quer uma audiência com a sra.
Bate-Seba: Pode ser, não sei. Se o Adonias quiser falar comigo, que seja em paz. Estamos cansados de confusão. Vou fazer o que puder para conciliar as coisas. Mas acho que muita coisa ainda vai acontecer. Salomão é muito inteligente, preparado, é um filho especial. Ele tem todas as condições de fazer um excelente governo. Tem um exemplo no seu próprio pai, está pegando um mandato com as contas em dia e pelo menos contra os inimigos de sempre estamos a salvo e em paz. Por isso, agora é hora de eliminarmos as diferenças internas e seguir em frente.
CN: Como a sra. acha que seu nome vai entrar para a história?
Bate-Seba: (Silêncio. Depois em voz pausada) Difícil dizer. Se depender dos historiadores do palácio, acho que eu vou ser para sempre "a amante de Davi". Mas eu tenho uma esperança, porque Davi sempre dizia que Deus tinha feito uma aliança com ele e que o seu reino seria eterno. Se entrar para a história como a mãe de Salomão, já estará ótimo. Tenho certeza de que ele vai fazer um reinado inesquecível.
Pensando bem:
Nota da redação: Embora seu nome não apareça, Bate-Seba é mencionada como "a que fora mulher de Urias" e participa da linhagem real na genealogia de Jesus (Mateus 1:6). "
Abraço, Alê.
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